Poderão os jovens pressionar governos a tomar medidas contra as alterações climáticas? Parece que muitos jovens pensam assim porque têm lutado para garantir um futuro para eles e para as gerações seguintes, não só na rua, mas cada vez mais nos tribunais. Esta tendência crescente de processos judiciais sobre questões climáticas apresentados por ou em nome de crianças e jovens com menos de 25 anos é levada cada vez mais a sério por muitos países. Em Ontário, sete jovens de toda a província desafiaram a decisão do governo de enfraquecer significativamente a meta climática da província para 2030. Estive à conversa com Beze Gray, um dos jovens envolvidos no caso.
Em 2019, o governo de Ontário reverteu as metas climáticas relativamente progressivas da província, substituindo-as por uma única meta para 2030. De acordo com Sophia, Zoe, Shaelyn, Alex, Shelby, Madi, Beze e seus advogados, a nova meta, significativamente mais fraca, permitiria a emissão de mais emissões de gases com efeito de estufa, contribuindo ainda mais para os impactos relacionados com as alterações climáticas, como ondas de calor, doenças infeciosas, inundações e incêndios. Esta mudança de meta aconteceu após um ano de incêndios florestais recordes no Canadá.
"Venho da primeira nação Aamjiwnaang, cresci dentro dos limites da cidade de Sarnia, em Ontário, e o nosso território esta cercado pela maior concentração de complexos petroquímicos do Canadá. Sempre quis perceber como funciona a indústria petroquímica porque vejo todos os dias o seu impacto na minha comunidade. Por essa razão, implico-me muito nos ensinamentos culturais sobre a terra, o ar e a água. Nesse sentido, vejo-me mais como um protetor do meio ambiente do que como um ativista" explica Beze.
Como afirma ê jovem, os Aamjiwnaang estão rodeados por 40% das refinarias petroquímicas do Canadá e esse território é considerado como tendo um dos mais altos níveis de poluição atmosférica no país. Ou seja, os Aamjiwnaang têm um risco desproporcionadamente maior de contrair doenças relacionadas com a poluição.
Em Novembro 2019, Beze e seis outros jovens, apoiados por advogados da Ecojustice e da Stockwoods LLP, lançaram um desafio jurídico à nova meta do governo. O caso Mathur et al. v. Ontário baseia-se no argumento de que as ações do governo prejudicam os jovens e as gerações futuras e violam os direitos à vida, à igualdade e à segurança pessoal, das seções 7 e 15 da Canadian Charter of Rights and Freedoms. "Como vimos todos de partes diferentes da província, representamos diversas situações e penso que isso tornou o nosso caso ainda mais forte" acrescenta Beze.
Mas a decisão de ir a tribunal não foi fácil para ê jovem. "Para mim não foi fácil. Como indígena, sei que os direitos da minha comunidade não foram ou são respeitados pelo sistema de justiça canadiana. Tinha muito medo mas pedi conselho aos mais velhos da minha comunidade e tomei a decisão de fazer parte do grupo" conta.
Dia 15 de abril de 2020, o governo apresentou uma moção para encerrar o caso, argumentando que não deveria prosseguir para uma audiência completa. Mas os jovens requerentes contestaram esta moção numa audiência em Julho do mesmo ano, levando o caso a uma vitória histórica quando a moção do governo foi rejeitada em Novembro. Pela primeira vez na história do Canadá, um tribunal reconheceu que as alterações climáticas têm o potencial de violar os direitos da Canadiam Charter e deu aos jovens o sinal verde para avançarem para uma audiência completa. Esta vitória também foi histórica porque um tribunal canadiano chegou quase a reconhecer os direitos baseados na justiça climática como direitos constitucionais, algo que outros casos estão a tentar fazer acontecer no mundo de acordo com um relatório da ONU.
Em março de 2021, o governo tentou novamente anular esta decisão, mas foi indeferido pelo Tribunal Divisional de Ontário. O caso prosseguiu então para uma audiência completa perante o Tribunal Superior de Ontário em setembro de 2022.
Após vários anos a superar os desafios do processo judicial, o Tribunal Superior de Ontário rejeitou o caso dos jovens em abril de 2023. A juíza Marie-Andrée Vermette, responsável pelo caso, não considerou que a meta de Ontário era inconstitucional e não ordenou que o governo estabelecesse uma nova meta baseada na ciência.
Embora o pedido tenha sido indeferido, a decisão eliminou alguns obstáculos importantes para estabelecer um precedente importante para litígios climáticos no Canadá, de acordo com os advogados. Como afirma Beze: "Mesmo que o caso tenha sido arquivado, fizemos com que o público e os tribunais percebessem como a meta de Ontário prejudica as gerações futuras. Isto também alinha-se um pouco com alguns dos ensinamentos dos Aamjiwnaang. Desde pequenos ensinam-nos a aprender com as sete gerações anteriores e a cuidar das sete gerações futuras. Não existe nenhuma lei canadiana que estabeleça isto, mas o facto de termos levado esta ideia ao tribunal é um pequeno passo em direcção de um futuro melhor e, nesse sentido, sinto que o nosso caso já é muito influente."
Embora tenha rejeitado o caso, a Juíza Vermette concordou com os requerentes em vários pontos. Por exemplo, ela concordou que a meta de Ontário "está muito aquém" do que o consenso científico exige, e isso aumenta o risco para a vida e a saúde da população. Ela também rejeitou os argumentos do governo de que as suas emissões eram globalmente insignificantes.
A decisão aceitou amplamente a ciência apresentada nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) e, ao mesmo tempo, apresentou uma crítica às evidências do governo. A Juíza Vermette declarou: "Considero que os relatórios do IPCC são uma síntese fiável, abrangente e oficial do conhecimento científico existente sobre as alterações climáticas e os seus impactos. Rejeito qualquer sugestão contrária por parte dos especialistas de Ontário, cujas credenciais não estão à altura das do IPCC."
No dia 15 de janeiro de 2024, o grupo de jovens decidiu recorrer ao Tribunal de Recurso. "Quando soubemos que o nosso caso foi arquivado, conversamos com todos para ter certeza de que queríamos seguir em frente. Isso é algo que realmente aprecio no grupo; preocupamos-nos muito uns com os outros" diz Beze. Embora elu trabalhe principalmente fora dos tribunais e seja muito ativo no trabalho de defesa da terra e da água, Beze acredita que "todos os caminhos são valiosos e que há várias maneiras de sermos ouvidos e de garantir que o nosso meio ambiente e os direitos das pessoas sejam respeitados. Eu diria que deveríamos todos tentar de lutar pelo que é justo."
Beze e os outros jovens ainda aguardam a decisão do Tribunal de Recurso, que deverá chegar no final do ano. "Espero que ganhemos o caso e obriguemos o governo de Ontário a mudar a sua meta. O caso já impacta e desafia os direitos estatutários. Está a criar um precedente para casos futuros e portanto já é uma pequena vitória" conclui.
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